sábado, 8 de novembro de 2014

O Hip Hop mudou ou mudaram o Hip Hop?



     Quando conheci o Hip Hop, na década de 1980, através do Break Dance (como era conhecido na época a dança representativa do movimento, hoje um emaranhado de rótulos e nomes), o princípio que norteava sua filosofia era o de dar voz àqueles que dedicavam-se à um mundo melhor com respeito e igualdade de direitos, sem discriminações de raça, cor, credo ou nível social.

      Hoje, 30 anos depois, após tantos estudos, pesquisa e vivências venho repensar o quanto o Hip Hop tem mudado.     Certamente o mundo sofreu grandes transformações com a guerra fria, o susto de doenças como HIV e Ebola, o  incremento tecnológico da internet e telefonia móvel na vida diária na vida diária do ser humano, dentre outros eventos históricos que modificaram drasticamente o mundo em que vivemos.

     O Hip Hop hoje veste tantas roupas e possui tantas faces que parece estar em “crise existencial” como a maioria dos seres humanos, pois um Movimento cujo princípio que pregava igualdade e respeito ao próximo, em muitos momentos, tem aplicado, em sua prática, justamente o oposto.

     A mídia e o capitalismo vende muitas imagens e personagens cultuados por suas viagens à diversos países, sua visibilidade em programas de televisão e cinema, pelas vitórias em eventos ligados ao Hip Hop e muitos outros aspectos que fazem das pessoas uma “mercadoria de propaganda e lucros”.   Temos que admitir a importância da mídia para reconhecimento do Movimento Hip Hop, pois torna mais acessível aos leigos muitas informações do que se faz dentro da filosofia Hip Hop, abolindo em muitos casos a imagem marginal  e preconceituosa que muito tem, infelizmente em muitos momentos não existem pessoas capacitadas a diferenciar um “produto vendável” de alguém realmente ligado aos princípios que fazem do Hip Hop algo extremamente fascinante em suas manifestações.

     Posso assegurar, com distinta propriedade, não somente por minha vivência, mas por todos estes longos anos de estudos e pesquisas, que o Hip Hop hoje possui 3 formas de pensamento, ou poderíamos dizer, vertentes filosóficas: a Midiática, a Radical de tradição e a Altruísta filosófica, que descrevo a seguir.  Não é uma verdade absoluta, mas foi mais sensato dividir para poder entender o que pode estar acontecendo com o Movimento Hip Hop nos dias atuais, afinal cada qual se acha dono da verdade, que acabam nem respeitando a opinião e suas diferenças, gerando brigas inúteis que não contribui em nada para dar visibilidade a um movimento com princípios em prol de um mundo melhor.



* Midiatico: Corrente do Hip Hop onde se valoriza o status de alguém, ou de um grupo, pelo número de eventos que este se consagrou vencedor, pela distância que estes viajam (se for para outros países, mais qualificados estes são considerados), pelo número de publicações divulgadas (acadêmicas ou  não), se a pessoa (ou grupo) é apoiada ou promovida pela mídia, constituindo-se como pessoa pública de grande visibilidade.    No pensamento midiático não importa tanto as causas e/ou efeitos sociais (estas acabam ficando em segundo plano, e quando acontecem, em muitos casos é apenas um recurso para se manter na mídia), mas o quanto estas pessoas ou grupos se mantêm visíveis para as pessoas e o quanto elas se destacam em seus feitos.   Outra característica dos adeptos deste tipo de pensamento é a classe social, em sua maioria são das classes média alta e classe alta, com afinidade à dança (de onde admiram os que estão na moda ou que possuem grandes habilidades como dançarinos), tendo pouca repercussão no que diz respeito à grafitagem ou a música, neste último caso algumas pessoas de classe baixa espelham-se neste tipo de pensamento como forma a almejarem o sucesso e consequentemente admiração (tendo como exemplo os MC’s do denominado movimento do“funk ostentação”).



* Radical de tradição: Em muitos casos reflete o oposto do Midiático, onde as pessoas que não tem projeção nos meios de comunicação, constituem uma corrente em oposição aos que estão “na moda” ou muito divulgados pela mídia.   Tem como princípio o Hip Hop em sua essência, mas no que se refere à filosofia são os que mais se mostram incoerentes no discurso, ou seja, pregam a manutenção do Hip Hop mas são os primeiros a desrespeitar as diferenças sociais, financeiras e éticas.   São avessos à opiniões contrárias as deles, fechando-se em grupos aos quais se identificam tanto na forma de pensar quanto de agir.    Usam as formas antigas (como quando surgiu o Hip Hop) como forma de manterem-se unidos, desqualificando qualquer outra manifestação contrária à seus atos e manifestações.   Na dança usam o termo “Break” como identificação da dança, onde vemos somente sendo considerados, os estilos “B-Boy” e Popping” e não sendo aceitas outras manifestações de dança como elemento constituinte do movimento.   E isto não somente na dança, mas também na grafitagem e na música.



* Altruísta filosófica: Neste caso vemos pessoas que se preocupam demais com o social e com a comunidade com que convive e trabalha.   Não existe uma preocupação em fazer das pessoas destaques, mas que elas tenham atitudes salutares e com objetivos de vida bem concretos e lúcidos.   Costuma-se ver este tipo de atitude em educadores engajados em transformação social, com pouca projeção (embora com muito conhecimento em muitas áreas), geralmente não se preocupam em levar seus nomes como no pensamento midiático, mas estimular quem está ao seu redor e apoiar todos os que se encontram em posição menos favorecidas.   Neste tipo de pensamento percebemos uma maior relação com a ideologia Hip Hop, por trabalhar de uma forma a conscientizar cada pessoa da importância de seus esforços para melhorar a sociedade e o meio em que vive.



      Em resumo, cada um escolhe sua vertente filosófica e convive cada qual em seu canto (embora eu considere um erro, pois uma filosofia que deveria unir não deveria ser separatista), mas o que vejo hoje em dia é cada um querer  impor sua verdade como se fosse única, e como dizem os mais radicais, ou verdadeiro Hip Hop.   Se o "Altruísta filosófico" saísse um pouco de sua "timidez" ideológica e começasse a levar mais seus trabalhos para se tornarem visíveis, talvez o "Radical de tradição" fizesse valer seu orgulho de tradições e aprendesse a respeitar mais quem pensasse diferente e preservasse mais alguns estilos e costumes, e os "Midiáticos" aprenderiam também a respeitar todo aquele que não estivesse em evidência, considerassem e respeitassem mais os trabalhos de outras vertentes  que não a propagada pelos meios de divulgação apenas.   

     Como acredito que isto seja apenas uma utopia, fica aqui um desabafo de ver o Hip Hop fazendo mesmo a diferença, não por se achar único e verdadeiro, nem transformar às escuras e tampouco por estar nos cinemas e televisões, mas por ser uma forma de repensar o mundo, de fazer valer nossos direitos respeitando o dos outros, lutar por algo que favoreça não somente um indivíduo ou um pequeno grupo, mas um volume de pessoas muito maior que talvez nem vejam  o quanto foi feito por elas.