Quando conheci o Hip Hop, na década de
1980, através do Break Dance (como era conhecido na época a dança
representativa do movimento, hoje um emaranhado de rótulos e nomes), o princípio
que norteava sua filosofia era o de dar voz àqueles que dedicavam-se à um mundo
melhor com respeito e igualdade de direitos, sem discriminações de raça, cor,
credo ou nível social.
Hoje, 30 anos depois, após tantos
estudos, pesquisa e vivências venho repensar o quanto o Hip Hop tem
mudado. Certamente o mundo sofreu grandes
transformações com a guerra fria, o susto de doenças como HIV e Ebola, o incremento tecnológico da internet e
telefonia móvel na vida diária na vida diária do ser humano, dentre outros
eventos históricos que modificaram drasticamente o mundo em que vivemos.
O Hip Hop hoje veste tantas roupas e
possui tantas faces que parece estar em “crise existencial” como a maioria dos
seres humanos, pois um Movimento cujo princípio que pregava igualdade e
respeito ao próximo, em muitos momentos, tem aplicado, em sua prática,
justamente o oposto.
A mídia e o capitalismo vende muitas
imagens e personagens cultuados por suas viagens à diversos países, sua
visibilidade em programas de televisão e cinema, pelas vitórias em eventos
ligados ao Hip Hop e muitos outros aspectos que fazem das pessoas uma
“mercadoria de propaganda e lucros”.
Temos que admitir a importância da mídia para reconhecimento do
Movimento Hip Hop, pois torna mais acessível aos leigos muitas informações do
que se faz dentro da filosofia Hip Hop, abolindo em muitos casos a imagem
marginal e preconceituosa que muito tem,
infelizmente em muitos momentos não existem pessoas capacitadas a diferenciar
um “produto vendável” de alguém realmente ligado aos princípios que fazem do
Hip Hop algo extremamente fascinante em suas manifestações.
Posso assegurar, com distinta propriedade,
não somente por minha vivência, mas por todos estes longos anos de estudos e
pesquisas, que o Hip Hop hoje possui 3 formas de pensamento, ou poderíamos
dizer, vertentes filosóficas: a Midiática,
a Radical de tradição e a Altruísta filosófica, que descrevo a
seguir. Não é uma verdade absoluta, mas foi
mais sensato dividir para poder entender o que pode estar acontecendo com o
Movimento Hip Hop nos dias atuais, afinal cada qual se acha dono da verdade,
que acabam nem respeitando a opinião e suas diferenças, gerando brigas inúteis
que não contribui em nada para dar visibilidade a um movimento com princípios
em prol de um mundo melhor.
* Midiatico:
Corrente do Hip Hop onde se valoriza o status de alguém, ou de um grupo, pelo
número de eventos que este se consagrou vencedor, pela distância que estes
viajam (se for para outros países, mais qualificados estes são considerados), pelo
número de publicações divulgadas (acadêmicas ou
não), se a pessoa (ou grupo) é apoiada ou promovida pela mídia,
constituindo-se como pessoa pública de grande visibilidade. No pensamento midiático não importa tanto
as causas e/ou efeitos sociais (estas acabam ficando em segundo plano, e quando
acontecem, em muitos casos é apenas um recurso para se manter na mídia), mas o
quanto estas pessoas ou grupos se mantêm visíveis para as pessoas e o quanto
elas se destacam em seus feitos. Outra
característica dos adeptos deste tipo de pensamento é a classe social, em sua
maioria são das classes média alta e classe alta, com afinidade à dança (de
onde admiram os que estão na moda ou que possuem grandes habilidades como
dançarinos), tendo pouca repercussão no que diz respeito à grafitagem ou a
música, neste último caso algumas pessoas de classe baixa espelham-se neste
tipo de pensamento como forma a almejarem o sucesso e consequentemente
admiração (tendo como exemplo os MC’s do denominado movimento do“funk
ostentação”).
* Radical de tradição: Em muitos casos reflete o oposto do Midiático, onde
as pessoas que não tem projeção nos meios de comunicação, constituem uma
corrente em oposição aos que estão “na moda” ou muito divulgados pela
mídia. Tem como princípio o Hip Hop em
sua essência, mas no que se refere à filosofia são os que mais se mostram
incoerentes no discurso, ou seja, pregam a manutenção do Hip Hop mas são os
primeiros a desrespeitar as diferenças sociais, financeiras e éticas. São avessos à opiniões contrárias as deles,
fechando-se em grupos aos quais se identificam tanto na forma de pensar quanto
de agir. Usam as formas antigas (como
quando surgiu o Hip Hop) como forma de manterem-se unidos, desqualificando
qualquer outra manifestação contrária à seus atos e manifestações. Na dança usam o termo “Break” como
identificação da dança, onde vemos somente sendo considerados, os estilos
“B-Boy” e Popping” e não sendo aceitas outras manifestações de dança como
elemento constituinte do movimento. E
isto não somente na dança, mas também na grafitagem e na música.
* Altruísta filosófica: Neste caso vemos pessoas que se preocupam demais com
o social e com a comunidade com que convive e trabalha. Não existe uma preocupação em fazer das
pessoas destaques, mas que elas tenham atitudes salutares e com objetivos de
vida bem concretos e lúcidos.
Costuma-se ver este tipo de atitude em educadores engajados em
transformação social, com pouca projeção (embora com muito conhecimento em
muitas áreas), geralmente não se preocupam em levar seus nomes como no
pensamento midiático, mas estimular quem está ao seu redor e apoiar todos os
que se encontram em posição menos favorecidas.
Neste tipo de pensamento percebemos uma maior relação com a ideologia
Hip Hop, por trabalhar de uma forma a conscientizar cada pessoa da importância
de seus esforços para melhorar a sociedade e o meio em que vive.
Em resumo, cada um escolhe sua vertente
filosófica e convive cada qual em seu canto (embora eu considere um erro, pois
uma filosofia que deveria unir não deveria ser separatista), mas o que vejo
hoje em dia é cada um querer impor sua
verdade como se fosse única, e como dizem os mais radicais, ou verdadeiro Hip
Hop. Se o "Altruísta filosófico"
saísse um pouco de sua "timidez" ideológica e começasse a levar mais
seus trabalhos para se tornarem visíveis, talvez o "Radical de tradição"
fizesse valer seu orgulho de tradições e aprendesse a respeitar mais quem
pensasse diferente e preservasse mais alguns estilos e costumes, e os "Midiáticos"
aprenderiam também a respeitar todo aquele que não estivesse em evidência, considerassem
e respeitassem mais os trabalhos de outras vertentes que não a propagada pelos meios de divulgação
apenas.
Como acredito que isto seja apenas uma
utopia, fica aqui um desabafo de ver o Hip Hop fazendo mesmo a diferença, não
por se achar único e verdadeiro, nem transformar às escuras e tampouco por
estar nos cinemas e televisões, mas por ser uma forma de repensar o mundo, de
fazer valer nossos direitos respeitando o dos outros, lutar por algo que
favoreça não somente um indivíduo ou um pequeno grupo, mas um volume de pessoas
muito maior que talvez nem vejam o
quanto foi feito por elas.