No artigo anterior refletimos sobre a
ética que envolve dançarinos, diretores e coreógrafos de Dança de Rua, o quanto
estes, por vezes, não tem o mínimo de ética quando o assunto é projeção de um
trabalho ou de um nome, não importando nada e nem ninguém desde que o
favorecido seja o próprio dançarino.
Já neste artigo, o assunto é ainda mais
delicado, pois envolve a aquisição e ampliação de conhecimentos de pessoas, não
somente no que se refere à Dança de Rua,
mas o quanto pode uma arte influenciar até mesmo na formação do caráter de
alguém.
Muitos hoje já reconhecem o poder da Arte
de Rua, mais especificamente das manifestações advindas da filosofia Hip Hop,
em nosso caso a Dança de Rua, tanto que em programas de alguns governos vemos
inseridas as artes do Grafite e da Dança de Rua nas escolas e instituições de
ajuda ao menor e ao adolescente.
Infelizmente, muitas das pessoas que ministram tais aulas não possuem
muito conhecimento no que diz respeito à práticas pedagógicas, mas por outro
lado vemos alguns outros procurando inovar em suas aulas e preocupados com o
desenvolvimento de seus alunos enquanto cidadãos.
Muito da ética deve, e tem, de ser
aplicada quando o assunto é reflexão e inclusão social através da Dança de
Rua. Alguns professores e educadores
esquecem-se ou por vezes trabalham com seus alunos como se estes fossem um
grande grupo com intuitos competitivos e de profissionalização. Não adianta trabalhar nesta ramificação da
Dança de Rua se o professor for uma pessoa repleta de pré-conceitos e
radicalismos, porque é através da linguagem de rua e de todos os conceitos
implícitos e explícitos de uma sociedade que se leva um aluno à uma reflexão e
uma postura mais democrática e consciente de sua função na sociedade.
Alguns programas são eficientes na
recuperação de pessoas relacionadas ao mundo do crime e das drogas, sendo até
mesmo, em alguns casos considerada um meio de proximidade com a linguagem dos
jovens. Mas quantos realmente estão
aptos para trabalhar com este público?
Não basta, neste caso, ser um excelente dançarino ou possuir carisma
junto a crianças e/ou adolescentes.
Quem decide trabalhar nesta vertente não
pode, e nem deve, esperar um reconhecimento no mundo do Hip Hop, até porque
ultimamente o profissional mais valorizado é aquele que possui inúmeros vídeos
divulgados na internet, cursos ministrados em grandes eventos de Dança de
Rua ou até mesmo tenha dançado ou
estudado em países estrangeiros ou com dançarinos de renome e reconhecimento
(principalmente internacional). Quem
trabalha em escolas e outras de cunho educacional não pode ficar parado e
limitarem-se ao ambiente onde este é desenvolvido, deve superar a barreira do
local e produzir trabalhos e mesclar em eventos, como festivais não
competitivos (de preferência para não terem decepções quando depararem-se com
pessoas que fazem da Dança de Rua competitiva uma forma de superação e/ou
promoção pessoal).
O maior "crime" que uma pessoa
pode cometer neste ambiente onde a educação e formação do indivíduo é
prioridade, é criar expectativas técnicas elevadas, elaborar grandes
coreografias esperando estar ao nível de grandes grupos e/ou dançarinos,
esquecer que a Dança de Rua é uma das mais eficientes formas de arte para
conscientização do trabalho de grupo, da funcionalidade do próprio corpo, do
meio e das questões sociais, econômicas e políticas do meio em que este se
insere.
Outra triste constatação é que não há uma
integração e quase não há uma formação mais técnica, didática e pedagógica direcionada
para estes professores que desenvolvem tais trabalhos. A ética nesta área diz mais respeito aos
professores que são discriminados por grandes dançarinos, coreógrafos e
diretores, por produzirem algo que estas pessoas não conseguem ver e nem
tampouco reconhecer: cidadãos através da Dança de Rua.
Costumo dizer que o bom profissional não é
aquele que espera fama com o conhecimento que adquire ao longo dos anos, mas
aquele que transmite tudo o que aprendeu, colabora para a formação de novos
cidadãos dançarinos, profissionaliza e gabarita novos professores (também
coreógrafos e até mesmo diretores de grupos), se encontra sempre disponível
para cooperar para a ampliação de conhecimentos de todos aqueles que precisam de uma orientação
mais experiente e vivida de situações que até então alguns ainda não puderam
ter.
Aproveito o início de um discurso do ilustre
líder negro americano Martin Luther King: "Eu tenho um sonho..." Um
dia ainda vou ver os profissionais da Dança de Rua, competentes e dedicados, terem
seus trabalhos reconhecidos, não por terem
aparecido na mídia, por ter ganhado um prêmio importante na arte ou na cultura,
ou até mesmo por dançarem muito, mas pelo simples e importante feito de formar
seres pensantes e participantes de uma sociedade em constante mutação e
sedentos de uma orientação quanto à sua função na sociedade.
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